sexta-feira, dezembro 28, 2007


Não me lembro de como viemos aqui parar. A minha cabeça está cheia de flashes que nada me mostram, nada me dizem, luzes intermitentes, gritos mudos, abafados, gritos.
Neste momento também não me interessa saber como estamos aqui.
Estou tão fria. Não sinto os dedos, não sinto as pernas, não me sinto, eu corpo, eu físico, não me sinto, não estou.
Sei que estás aqui a meu lado porque sinto a tua mão entrelaçada na minha, daquela forma que só tu sabes fazer, cruzas os teus dedos nos meus de modo a aquecer as minhas mãos que estão sempre a queixar-se por estarem frias. Cruzas os teus dedos nos meus de forma a que não se saiba onde começa a minha mão e onde acaba a tua.
Sei que estás a meu lado, mas sinto-te frio, mais frio do que o frio que me corta os movimentos. Não te mexes. És pedra a meu lado. Chamo por ti, chamo-te, grito o teu nome, sem forças grito o teu nome mas não me respondes. Tento levantar-me: cada músculo, cada tendão, cada pedaço de pele do meu corpo grita por socorro. Assustada, perdida, tento levantar-me.
A areia crava-se nas minhas mão, arranha as minhas costas, crava-se em mim, começa a fazer parte de mim. Tu és parte de mim, mais do que esta areia, mas tu não te mexes, não me respondes, não te mexes, és pedra a meu lado. Quero saber o porquê de não me responderes, diz-me porquê. Quero ouvir-te dizer está tudo bem, meu amor. Eu estou bem, meu amor, vai ficar tudo bem, meu amor.
Aos nossos pés, há mar revoltado, há mar que grita por vingança; lá ao fundo, vejo luzes amareladas de uma qualquer cidade embaciada pela chuva, de uma qualquer cidade que está longe demais, que parece terrivelmente fria nos tons quentes de um amarelo velho. À nossa volta há mais corpos, há mais pernas, há mais braços, estão todos inertes, não se movem, tal como tu, não se movem, não vivem, mas eu vivo, vivo para ver corpos molhados e inertes de olhos fixos no nada, num ponto que só eles sabem onde fica, a olhar um nada cheio de nada.
Sinto-me fria; cada gesto que faço é automático, como se tivesse sido programada por alguém superior, como se sempre tivesse estado perdida aqui, como se sempre tivesse estado gelada, como se cada pedaço de mim sempre tivesse tremido, como se sempre tivesses estado inerte a meu lado. Como se nunca me tivesses respondido quando chamo desesperadamente pelo teu nome. Responde-me, por favor, responde-me.
Levo as minhas mãos à tua cara, toco-te, ponho a minha cabeça no teu peito, não há coração a bater, não há sangue, nem vida a correr pelas tuas veias, já não há um tu. Grito, choro, sinto as minhas lágrimas correr, misturam-se com a chuva que nos bate, grito.
Responde-me, por favor, meu amor, responde-me.
Eu vivo, vivo para te ver morto a meu lado.
A minha dor é tanta que não me cabe no peito, não cabe em mim, não me cabe. É tanta que não me sinto, não sinto ar, não me sinto, não sinto as lágrimas a queimarem-me a cara, não sinto o meu grito, não sinto a minha tentativa de respirar, não te sinto, não me sinto, não nos sinto.
Tenho a minha cabeça no teu peito. Tenho esperança que abras os olhos, que me digas está tudo bem, meu amor. Eu estou bem, meu amor, vai ficar tudo bem, meu amor.
Tenho esperança que o teu olhar volte para mim, meu amor, o teu olhar, que me aquecia em noites de Inverno, meu amor.
Fecho os olhos





"(...) Nós, seres incautos, fechamos-lhe (à morte) sempre os olhos na esperança pálida de que, se não a virmos, ela não nos verá"

José Luís Peixoto

4 comentários:

Fernando Ferreira disse...

:*

sónia disse...

As tuas palavras trazem-me a fotografia "dois." na tua página do dA.
É triste são tristes a tua história as tuas palavras. E que outras palavras poderão responder a tanta tristeza? Palavras tristes mais ainda? Palavras de esperança? Quando sabemos e já percebemos que a realidade é esta? Fechamos os olhos ou mantemo-los abertos? Não te sei a resposta. Nem a vida já tão longa que não a tua me deu a resposta...
Escreves bem menina, minha amiga, minha filha emprestada. Como gostaria que fosses feliz e não sentisses dor. Seria essa a minha prenda, se a tivesse nas mãos. Em detrimento de mim. Porque acredito que ao seres feliz poderia sentir algo semelhante.
bj
Sónia

Anónimo disse...

Eu consigo ser feliz, não consigo é deixar de sentir e deixar que isto deixe de me envolver. E compreendes-me bem,tu conheces-me. Uma das maiores prendas que posso ter é a tua presença ao meu lado e saber que estás comigo
Beijo

sónia disse...

Sim, compreendo-te e quero estar sempre ao teu lado, e estás. Estou a ouvir Radiohead e estás aqui, agora. Estou a ler palavras e estás ao meu lado. And so on... Obrigada por me quereres ao teu lado, minha filhota emprestada.*
Sónia