domingo, julho 23, 2006

Essa dor de alma que te arrepia a espinha faz com que te sintas inferior.
Rastejas e arrastas-te e por muitos bancos e escadas que subas vais continuar a ser um grão de pó, sem poder para controlar a tua vida.
Vês-te rodeada de guardiões, guardiões que não te guardam, mas te prendem as asas, te amachucam as penas, te impedem de voar. Vindo deles ouves aquele som que não te deixa fechar os olhos, como se estivessem a sugar o ar à sua volta, como quem respira a vida que não é deles. Sentes-te a asfixiar, sentes-te a enlouquecer.
Pedes misericóridia, piedade pelas tuas cicatrizes de guerra, pois és tão ou mais frágil que eles. Mas eles ignoram-te e empurram-te para o meio do seu círculo de fogo. Sentes o peito romper, queimar, lágrimas na face porque, mais uma vez, não consegues controlar a dor.
Fogo, vermelho, quente, inferno de chamas que te aspiram a vida, sem teres oportunidade de sequer pensar no que te está a acontecer. Não percebes o que te está a acontecer, não queres acreditar no que te está a acontecer. Definhas lentamente, aumentando a angústia da tua incapacidade de agir. Não há lágrimas que apaguem esse fogo. E o riso, o riso daquelas vozes graves que te arrancaram do mundo. Ouve-las e tentas gritar, esforças-te por respirar mas não consegues.
Gritas, gritas até que tudo pára.
A brusquidão do silêncio instalado assusta-te. Faz-te confusão, perdes a noção de tudo.
Ar, há ar à tua volta.
E, lentamente, apercebes-te do que és...Durante a passagem dessa rajada de vento que traz as cinzas da tua pele queimada.
Já não tens penas, mas ainda procuras a memória do seu roçagar. Já não tens asas, mas ainda voas. Agora mais alto ainda.
É tudo tão mais simples assim. Não tens que decidir para que lado ir. A brisa fá-lo por ti.
Já consegues ver as capas negras dos teus guardas ao longe. O som arrepiante deles acabou. Agora só ouves o vento a chamar por ti. "Anda... Segue-me e terás paz".
Paz... Como precisas de paz.
Vai. Pode ser que o amanhã chegue já hoje. Segue o vento e adormece na lua..
Estás livre.


Ouvindo Sigur Ros - svefn-g-englar

5 comentários:

Anónimo disse...

As tuas palavras deixaram-me um sorriso nos lábios.
Há alguns dias atrás, segui o vento e adormeci na lua e, na verdade, sinto-me livre como não me sentia há tantos anos. Vulnerável, mas livre. Porque soltei as frases aprisionadas e porque os guardas desapareceram. Talvez seja já um pouco tarde, mas viverei o tempo que me resta em paz comigo mesma.
Mais uma vez vieste ao meu encontro. Que coisa tão estranha!!
Jinhos
Sónia

Nandita disse...

Dói este percurso, porque o interpreto como uma libertação depois do sofrimento... ou a libertação através do sofrimento extremo.
Dói, mas é belo. Parabéns
Beijo

Marina disse...

Cortas-te me o ar...por ver tantas verdades e tantos desejos aí descritos...
Estás cada vez melhor com a expressão.

=) Muitos parabéns...está um excelente texto.
(ainda estou a tentar recuperar da leitura...)

Xô Dona do Estabelecimento disse...

Os teus textos/poemas fazem-me sempre lembrar os toranja!...Talvez pla carga emocional posta neles!
Como já não passava aqui à algum tempo decidi deixar um beijo e um desejo de continuações com textos um pouco mais alegres e com um sentimento de "plena felicidade"!
bjs**

Frederico Lopes disse...

Só tenho uma coisa a dizer..já estou com saudades. Escreves muito bem. Finalmente tive aquele tempinho (sem sono) para vir até aqui...e como vale a pena!!!
Fico sinseramente á espera de novidades.
bjs