domingo, maio 14, 2006

Flores altas, relva alta, fresca. O orvalho ainda brilha, dando uma vivacidade a tudo o que me rodeia. Tenho o meu cenário preparado e sei que, por muito longe qe vá, as flores e a relva serão a única coisa que verei.
Descalça, sinto a terra debaixo dos meus pés. Fofa, suave ao toque, como se se tivesse preparado ela própria só para me receber. Inspiro e o aroma fresco de uma manhã acabada de nascer embriaga-me os sentidos. O sol está mesmo atrás de mim. Sei que ainda não mostra todo o seu esplendor mas, por enquanto, não me importa. Estou a preparar-me para ir de encontro a ele.

O meu vestido branco flui livremente ao sabor da brisa que me arrepia a pele. Sorrio.Parada durante algum tempo, fico apenas a ocupar este lugar, sem nenhuma razão em especial. Estou livre. Estou pronta.
Dou um passo... Depois outro. Caminho devagar, sentindo o ar fresco da manhã, dando graças a tudo o que me foi concedido neste sítio. Borboletas seguem cada passo meu... Talvez tenham decidido ser minhas companheiras de viagem. Assim rodeada, sou fada num conto infantil.
O sol encontra-se já quase no cimo de mim. Já sei o seu caminho... Começo então a correr. De braços abertos o suficiente para conseguir sentir as flores roçar a ponta dos meus dedos... Corro na direcção em que o sol se dirige e o meu objectivo é alcançá-lo.
Aumento a velocidade da corrida e corro tanto que o meu peito começa a dar sinal... Ignoro-o. Psicologicamente sinto-me capaz de correr durante a eternidade...Mas o meu coração já bate descompassado, esforçando-se por fazer com que o oxigénio chegue aos meus aflitos pulmões. Os meus pés não sentem cansaço, e as minhas pernas já estão programadas para o alvo da minha corrida, alvo esse que pertence a não sei bem quem, mas que foi adoptado por mim.
Corro e o cenário não muda. Sei que não há aqui ninguém mas, mesmo assim e sempre em constante movimento, sinto-me observada.

O meu vestido esvoaça em sintonia com o ondular do meu cabelo. As folhas tocam na minha pele, como que incentivando a minha fuga de um mundo que existe perdido em mim. O ar bate na minha cara, e lágrimas correm-me ao longo da face, não sei bem se de felicidade, emoção, tristeza, saudade ou se apenas correm por correr.Sinto o oxigénio a correr-me nas veias. Acho que nunca estive tão consciente do meu corpo como agora... Sei que o estou a levar ao limite, mas não vou parar. O meu peito grita de dor, como se estivesse prestes a rebentar. Se o meu coração não parar até lá, vou correr até anoitecer... Neste momento, eu e o meu coração estamos separados... Estou a ignorá-lo com todas as forças que me sobram. Aqui a razão está do lado do coração, e eu encontro-me do lado oposto.

Passam horas e horas e eu nunca parei de correr... As minhas músicas de sempre têm vindo a acompanhar-me, e são elas que me têm acordado da inconsciência que me vai ameaçando.... E durante todo este tempo, acho que têm estado a olhar para mim, a seguir todos os meus passos. Agora, os meus olhos desfocados sentem que a luz diminui gradualmente... O sol desapareceu. É altura de parar por hoje. Acho que me vou deitar no chão e esperar pelo amanhã... Amanhã esse em que vou continuar atrás do Sol, até que, tal como Ícaro, as minhas as minhas asas de cera derretam.
Agora parada, nem me sinto eu. Estendida no chão, olho para o céu, com as estrelas lá no alto. Estou camuflada pela erva alta e sei, mesmo que estivesse aqui alguém, que não me veria. Ou pelo menos pensava que sim... Estou a sentir-me observada. Sei que estou a ser observada. Ouvi algo... Parecia um roçagar de asas. Levanto-me de rompante, mesmo a tempo de vê-las... Mas apenas por dois segundos.
Depois desapareceste.


Ao som de m83 @ Run into flowers

3 comentários:

Anónimo disse...

Interesting....

:-/

Marina disse...

São estes os motivos da nossa vida, é isto que nos faz andar...é isto que nos faz sonhar.
A relva fresca e fofa, o aroma da manhã, a terra húmida...o sol.
Estas são as nossas recompensas para que pensemos que afinal até vale a pena viver. Saber que sempre existirá sol, sempre existirá relva, chuva, vento...pelo menos, existirá para nós...enquanto cá estivermos.

Obrigada por me fazeres lembrar que viver é bom.
Adoro-te **

Anónimo disse...

Um dia de ilusão consciente? Uma vida contada do príncipio ao fim? A ousadia de sonhar mais e mais?
Não interessa a minha interpretação. É sempre difícil traduzir os sentimentos que carregamos como fardos pesados. Corre ao encontro do Sol, menina de conto de fadas, mas, sim, tem cuidado com ele. Arranja umas asas de outro material mais forte que a cera. Arrisca, porque a vida é tua. O importante é encontrar um lugar nosso, feito à nossa medida, mesmo que signifique solidão.
Eu prefiro ir ao encontro da Lua. Sei que o brilho não é tão intenso e empolgante, mas brilha também e, pelo menos, tenho a certeza de que nunca me irei magoar nesse encontro. Alguém disse:"Fear is a mind killer", por isso não faças como eu.
Bjinhos

P.S. Tal como tu, também a música é transversal ao meu percurso. Mais do que isso, essencial à sobrevivência. :-***
Sónia