quinta-feira, abril 27, 2006

O céu está de um azul acinzentado, como que anunciando uma tempestade maior do que aquela que me afogava fisicamente. Anoitece.
A areia lá em baixo é fria, clara,fina; mar encontra-se escuro, revoltado com tudo e com todos, como se tivesse agora todo o peso que eu sentia no peito. Agora é o mar que manda. É ele quem carrega a dor, pois sei que ele é mais forte do que eu.
Sentada no chão, sinto as gotas de chuva cair no meu rosto, ensopando o meu cabelo, a minha roupa. Sinto uma brisa, não sei se quente, se fria. Não sei há quanto tempo me encontro aqui. Horas, talvez dias. Mas sinto-me em paz.
Olho para tudo, mas não vejo nada. Sinto o cheiro a maresia. Esse cheiro salgado que se entranha na pele e no espírito. Cheguei aqui sozinha, mas agora sei que estás aí princesa... Sinto as tuas asas a roçar na minha pele. Vieste ter comigo. Também não sei quando chegaste, mas só podes ter sido tu a trazer a melodia que me embala. Dizes-me baixinho que não preciso ser mais do que aquilo que sou.Tu nunca me exigiste nada, e agradeço-te por isso.
Tocas-me com a tua mão delicada. Eu salvei-te e tu agora estás a meu lado. Eu só preciso que fiques do meu lado a olhar para o infinito, tal como eu. Não precisas falar. Sente aquilo que eu estou a sentir... Mas nem eu sei o que estou a sentir.
Limito-me a existir. Aqui não preciso pensar, não preciso falar, não preciso fazer qualquer gesto: faço parte da paisagem e assim permanecerei. Porque vim das cinzas e em cinzas me tornarei... Tal como tu princesa.
Mas não renascerei... No entanto, se os restos de mim forem espalhados pelo vento, sei que viverei em cada pedaço de vida. A bem ou a mal, todos somos espalhados pelo vento.
O aroma de cada um, aroma que não se cheira, mas que se sente.
O bater do coração, o meu, o teu, o nosso, compassado, como se seguisse a batida de uma música cuja letra só a vida conhece.
O toque, o riso, o adeus...
Todos somos espalhados pelo vento.

É só preciso esperar pela brisa certa.

Acordo deste estado e ganho consciência do sítio em que me encontro, mas só porque parei de sentir a água na minha cara. Já é noite e o mar acalmou.
Mas está frio...
A anestesia passou.
Ainda aí estás princesa?
Olho para o lado... Desapareceste. Outra vez...

Eu sei que voltarás.



Ao som de David Fonseca - Haunted Home

2 comentários:

Anónimo disse...

O que surge na nossa mente ao som desta magnífica música!!! ;)
Um texto algo dramático, misterioso e, será que estou certa?, revelador de uma réstea de esperança.
Gostei muito destas frases: "Todos somos espalhados pelo vento. É só preciso esperar pela brisa certa." É sempre agradável vir até aqui e encontrar as tuas palavras.
Bjinhos
sleepyalice

Marina disse...

Concordo com a Sleepyalice..."todos somos espalhados pelo vento" está com um simbolismo excepcional!Parabéns pelo post...e mais uma vez, reconheço-me e reencontro-me em trechos do teu texto que embora não tenham sido feitos para mim, me fazem pensar que muitos dos nossos sentimentos são universais.