domingo, fevereiro 26, 2006

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

Assim começo este blog... Se alguém chegar a lê-lo, desde já, o meu obrigado.

6 comentários:

Anónimo disse...

Escolheste um belo (mas triste)poema para iniciares o teu blog!

Bjinhos

Vítor disse...

Oi! eu qnd vi "adeus" penseo q era a "adeus ñ afastes os teus olhos dos meus"....looool

Anónimo disse...

O começo promete! É tão lindo este poema! Há anos atrás, quando o li pela primeira vez, entendi-o de uma forma racional. Hoje, entendo-o de uma outra forma: emocional. Vou ser uma leitora assídua do teu blog, prometo.
Bjinhos
sleepyalice (já sabes o meu nome, mas não digas a ninguém LOL)

Frederico Lopes disse...

o meu começo, como prometido. Para começar um belo poema. Não conhecia porque naõ tenho o hábito de ler poesia, mas lá que é boonito é, embora bastante triste.

Brida disse...

também tenho eugénio no meu. logo no título :) este poema...quando se torna verdadeiro, dói como mais nenhum.

Brida disse...

também tenho eugénio no meu. logo no título :) este poema...quando se torna verdadeiro, dói como mais nenhum.